A Câmara Municipal de São Paulo está aproveitando o período de crise do coronavírus e o Projeto de Lei nº 180/2020, enviado pelo Executivo com o intuito de autorizar medidas excepcionais voltadas ao combate da pandemia, para retirar a autonomia da Controladoria Geral do Município. Foi apresentada emenda pelo vereador Eduardo Tuma, presidente da Câmara Municipal, criando Comissão Intersecretarial de Julgamento que será responsável por revisar decisões condenatórias ou sancionatórias proferidas pela CGM, órgão responsável pelo combate à corrupção no município.
O texto da Emenda 55/2020 ao Projeto de Lei nº 180/2020 estabelece que:
“Fica acrescido § 4º ao artigo 138, da Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013, com a seguinte redação: § 4º. Das decisões condenatórias ou sancionatórias proferidas no âmbito da Controladoria Geral do Município, caberá recurso à Comissão Intersecretarial de Julgamento, que constituirá, em tais casos, nível hierárquico diretamente inferior ao do Prefeito e deverá ser composta por titulares de diferentes pastas, conforme regulamentação a ser dada por ato do Executivo.”
O artigo 138 da da Lei nº 15.764, de 27 de maio de 2013, a que se refere a emenda proposta, estabelece as competências do Controlador Geral do Município, chefe máximo da CGM. Dentre as competências decisórias e sancionatórias previstas na Lei, estão:
“II – determinar a instauração de apurações preliminares, inspeções, sindicâncias e demais procedimentos disciplinares de preparação e investigação, inclusive inquéritos administrativos para o exercício da pretensão punitiva, nos termos do art. 208, parágrafo único, da Lei nº 8.989, de 29 de outubro de 1979, sem prejuízo das competências da Secretaria Municipal dos Negócios Jurídicos;
(…)
XII – suspender preventivamente servidores municipais, na forma do art. 199 da Lei nº 8.989, de 1979;
XIII – suspender cautelarmente procedimentos licitatórios, até o final do procedimento de apuração, sempre que houver indícios de fraude ou graves irregularidades que recomendem a medida;
(…)
XV – encaminhar à Procuradoria Geral do Município os casos que configurem, em tese, improbidade administrativa e todos aqueles que recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências no âmbito da competência daquele órgão;
Dentre as funções decisórias e sancionatórias atribuídas ao Controlador que serão afetadas pela Emenda proposta pelo Vereador Eduardo Tuma, destaca-se as mudanças no Procedimento de Responsabilização de Pessoa Jurídica (PAR). Este procedimento é previsto na Lei Federal nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e disciplinado pelo Decreto Municipal nº 55.107/2014, que visa punir administrativamente as pessoas jurídicas que pratiquem atos lesivos à Administração Pública, seja contra o patrimônio, contra os princípios da administração ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
A emenda proposta pelo Vereador Eduardo Tuma cria órgão superior para a análise das decisões da CGM decorrentes dos PARs. Seria criada a Comissão Intersecretarial de Julgamento, uma estrutura estranha à CGM, para reanalisar as decisões do órgão. A emenda proposta pelo Vereador não estipula nenhum critério de quem serão os componentes, se deverão ser escolhidos servidores públicos efetivos e estáveis (como é obrigatório no PAR). A emenda, portanto, abre a possibilidade de a decisão da Controladoria acerca das punições a empresas infratoras da Lei Anticorrupção serem revistas por uma Comissão indicada por critérios políticos.
Ademais, a emenda proposta pelo Vereador Eduardo Tuma poderá, também, ser aplicada para demais decisões do Controlador, chefe máximo da CGM. Decisões como a de instauração de inquérito administrativo contra servidores investigados em sindicâncias comuns e patrimoniais poderão ter que passar pelo crivo desta Comissão Intersecretarial de Julgamento.
A emenda não é explícita se a alteração vigorará apenas no período da pandemia ou se será definitiva. No entanto, a medida é reprovável sendo temporária ou definitiva. Neste período de pandemia, haverão muitas contratações diretas pelo Município, sendo que a retirada de autonomia da Controladoria, neste momento, sobremaneira dificultaria a detecção de irregularidades delas decorrentes. Neste momento, de extrema necessidade de recursos públicos, o papel da CGM na detecção de irregularidades deve ser ressaltado para impedir desperdícios.
Criada em maio de 2013 (Lei nº 15.764/2013), a Controladoria Geral do Município (CGM) atua para prevenir e combater a corrupção na gestão municipal, garantir a defesa do patrimônio público, promover a transparência e a participação social e contribuir para a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Para a CGM desempenhar seu objetivo com efetividade, é essencial que ela não esteja subordinada a nenhuma Secretaria, possuindo plenos poderes de investigação e sancionatórios.
Ressalta-se que, durante a gestão PSDB, a Controladoria Geral do Município passou por outras duas tentativas de redução da sua autonomia. A primeira, na Gestão Dória, quando a pasta foi “rebaixada”, por meio do Decreto Municipal nº 57.576/2017, ao ser incluída como um órgão parte da estrutura da Secretaria Municipal de Justiça. Apenas na gestão Bruno Covas a Controladoria voltou a ter status de Secretaria após a publicação, em agosto de 2018, da Lei Municipal nº 16.974.
A segunda tentativa ocorreu quando do envio à Câmara Municipal do Substitutivo nº 1 ao Projeto de Lei nº 337/18, o qual incluiu parágrafo onde constava que “Os relatórios, recomendações ou encaminhamentos da Controladoria Geral do Município – CGM, para terem efeito, devem ser convalidados pelos Secretários Municipais das Pastas correspondentes aos casos analisados, após manifestação jurídica da Procuradoria Geral do Município – PGM.”. Este substitutivo foi derrotado após a mobilização desta Associação Municipal dos Auditores de Controle Interno de São Paulo (AMACISP) e de setores da sociedade civil engajados no combate à corrupção.
A AMACISP se posiciona contra a emenda do Vereador Eduardo Tuma ao PL 180/2020 e contra qualquer ação para retirar a autonomia da CGM. O objetivo de combater a corrupção e a má utilização de dinheiro público só pode ser atingido com o fortalecimento e a autonomia do Controle Interno. Vereadores, votem NÃO à emenda que retira a autonomia da CGM.